O BNDES e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) realizaram uma consulta pública sobre o cenário da certificação de carbono no mercado voluntário do Brasil visando reunir contribuições da sociedade civil, especialistas e entidades do setor para avaliar os desafios e oportunidades desse mercado.
Saiba um pouco mais sobre o potencial do mercado de carbono no Brasil e os resultados dessa consulta a seguir.
Como funciona o mercado de carbono?
Os mercados de crédito de carbono permitem que empresas, organizações e indivíduos compensem as suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) a partir da aquisição de créditos gerados por projetos de redução de emissões e/ou de captura de carbono. A ideia por trás deles é transferir o custo social das emissões para os agentes emissores, ajudando a conter o aquecimento global e as mudanças climáticas. Há dois tipos de mercado de carbono: regulado e voluntário. Este último já existe no Brasil, e o primeiro foi criado por meio da Lei 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), atualmente em fase de regulamentação.
Consulta pública: O cenário da certificação de carbono no mercado voluntário
A consulta pública sobre o cenário da certificação de carbono no mercado voluntário do Brasil, lançada pelo BNDES e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), permaneceu aberta entre março e abril de 2025 visando reunir contribuições da sociedade civil, especialistas e entidades do setor para entendimento quanto aos desafios e oportunidades do mercado nacional de carbono.
Como resultado, registrou 147 contribuições válidas e envolveu reuniões com diversos atores, incluindo certificadoras, desenvolvedores de projetos, instituições públicas e associações.
Participantes da consulta pública por tipo
Fonte: BNDES a partir de dados da consulta pública sobre o cenário da certificação de carbono no mercado voluntário do Brasil.
Seu objetivo foi compreender os limites da certificação atual e percepções sobre as necessidades de aperfeiçoamento institucional, metodológico e regulatório.
A pesquisa revelou um quadro de insatisfação com a predominância de certificadoras internacionais, cujas metodologias são vistas como inadequadas à realidade socioambiental, fundiária e econômica do Brasil. A análise identificou os principais desafios enfrentados pelos atores nacionais, incluindo altos custos, barreiras técnicas e falta de inclusão de pequenos produtores e comunidades tradicionais. Percebe-se, com base nos dados obtidos, a necessidade de fortalecer a capacidade interna por meio da nacionalização ou adaptação de metodologias, de construir uma governança técnica e transparente, e de integrar da melhor forma o processo de certificação com o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões. Os dados obtidos com a consulta podem auxiliar estudos prospectivos e aprofundar os entendimentos das necessidades nacionais com vistas ao tratamento dos desafios apontados.
O potencial do mercado de carbono no Brasil
O Brasil tem um potencial expressivo no aproveitamento do mercado voluntário de carbono para o financiamento de atividades de proteção e conservação da biodiversidade, principalmente devido a sua vasta cobertura florestal, a sua matriz energética limpa e à ampla disponibilidade de áreas aptas para projetos de reflorestamento, conservação, manejo sustentável e agricultura de baixo carbono.
Atividades como conservação de florestas nativas, restauração de ecossistemas, projetos agroflorestais, bioenergia e recuperação de pastagens degradadas se destacam como fontes promissoras de geração de créditos de carbono de alta integridade.
A biodiversidade e as peculiaridades dos biomas existentes no país, como a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica, tornam os projetos brasileiros especialmente atrativos no mercado global, tanto do ponto de vista ambiental quanto socioeconômico. No entanto, o desenvolvimento desse mercado ainda esbarra em desafios significativos, especialmente relacionados à certificação dos créditos de carbono.
Desafios do mercado de carbono brasileiro
De acordo com o Berkeley Carbon Trading Project, desde 2019, duas certificadoras internacionais detêm, em média, 99% das certificações de crédito de carbono no Brasil, concentrando esse serviço em instituições estrangeiras. Esse aspecto levanta questões sobre oportunidades de diversificação deste mercado, inclusive nacionalmente, com vistas a atender às especificidades dos projetos de mitigação climática brasileiros (biomas específicos, características fundiárias e socioculturais diversas, por exemplo).
A credibilidade da certificação é necessária para que os créditos de carbono sejam aceitos pelos compradores, principalmente no que concerne à integridade dos projetos. Por outro lado, deve-se evitar que a concentração do mercado gere desafios de não atendimento à demanda futura, que tende a crescer à medida que novos mercados regulados sejam criados e que o artigo 6.4 do Acordo de Paris comece a operar.
O que diz o artigo 6.4 do Acordo de Paris?
O Artigo 6.4 do Acordo de Paris estabelece um mecanismo de mercado global supervisionado pela ONU com o objetivo de promover a redução de emissões de GEE. O mecanismo permite que países e entidades autorizadas desenvolvam atividades de mitigação e gerem créditos de carbono, que podem ser comercializados e utilizados para o cumprimento de suas metas climáticas.
A promulgação da Lei 15.042/2024, responsável pela criação do mercado de crédito de carbono regulado no país – o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) – também deve estimular o surgimento de uma demanda nacional consistente por certificados de redução ou remoção verificada de emissões (CRVE).
A nova legislação estabelece que a entidade certificadora deve ser detentora das metodologias aplicáveis, bem como encarregada de verificar sua correta implementação e que as metodologias utilizadas para validação dos CRVEs sejam previamente credenciadas e devidamente registradas no sistema.
Com o fortalecimento do arcabouço normativo e o aumento da confiabilidade institucional brasileira, o interesse internacional por esses ativos no mercado voluntário também tende a crescer.
Diagnóstico da situação atual
Os resultados da consulta pública evidenciam uma insatisfação com o modelo atual de certificação, principalmente pela inadequação das metodologias estrangeiras à realidade brasileira. As críticas mais frequentes referem-se à desconexão dessas metodologias com as especificidades ecológicas, jurídicas e culturais do país. Muitos participantes apontaram que os modelos internacionais de certificação falham ao não considerar a diversidade dos biomas brasileiros, além de não contemplarem adequadamente a complexidade dos territórios sob domínio de comunidades tradicionais, indígenas ou agricultores familiares.
Foi identificado também que o processo de certificação apresenta barreiras significativas para atores de pequeno porte. Os custos associados — que envolvem auditorias, validação técnica, monitoramento contínuo e taxas de registro — são considerados elevados e muitas vezes proibitivos. Tais custos dificultam o ingresso de projetos comunitários e de iniciativas conduzidas por organizações sem acesso a financiamento estruturado. Esse cenário agrava a concentração do mercado e exclui grupos sociais relevantes que poderiam ser protagonistas na agenda de mitigação climática.
Outro problema amplamente destacado é a concentração da certificação nas mãos de poucas entidades internacionais. A concentração de mais de 90% dos projetos florestais no país em duas grandes certificadoras internacionais tem gerado atrasos significativos na tramitação do processo de certificação, além de uma rigidez metodológica que dialoga pouco com as condições locais. Essa centralização é vista como um gargalo tanto operacional quanto estratégico.
As questões fundiárias e a percepção de insegurança jurídica pelas certificadoras predominantes fazem com que seja exigido um volume de documentação formal que é muitas vezes contraditório com o próprio objetivo de preservação da floresta. Um exemplo citado pelos respondentes é a obrigação de apresentação de certidão imobiliária que ateste toda a cadeia de domínio para comprovação de posse da terra, o que exclui uma série de iniciativas legítimas, especialmente em áreas de domínio coletivo, territórios indígenas ou sem titulação em registro de imóveis. A complexidade fundiária brasileira exige abordagens mais condizentes com o entendimento dominial nacional e sua realidade.
O desconhecimento jurídico, social e cultural do Brasil pelos organismos verificadores das entidades de certificação foi amplamente citado nas reuniões bilaterais como um grande desafio.
Considerações sobre a adequação institucional e técnica para o mercado de carbono
Diante das limitações identificadas, os participantes da consulta defenderam, majoritariamente, a adoção de um modelo mais autônomo e contextualizado de certificação no Brasil. Uma das principais propostas é a nacionalização ou tropicalização das metodologias, com destaque para setores como REDD+, reflorestamento e regeneração natural (ARR), agricultura de baixo carbono e blue carbon (carbono costeiro e marinho).
Resultado da pergunta da consulta pública: "Dentre as metodologias abaixo, quais seriam as categorias a serem priorizadas para adequação de metodologias para o Brasil? a. REDD; b. ARR; c. agricultura; d. Blue Carbon; e. Biochar; ou g. Outra"
Fonte: BNDES a partir de dados da consulta pública sobre o cenário da certificação de carbono no mercado voluntário do Brasil.
Essas áreas foram consideradas prioritárias por apresentarem os maiores desvios em relação à realidade nacional e, ao mesmo tempo, grande potencial de impacto ambiental e socioeconômico. Portanto, essas metodologias devem incorporar dados locais, modelos de linha de base adequados e critérios de permanência compatíveis com as dinâmicas nacionais.
As críticas apontam ainda a necessidade de se considerar a complexidade e a diversidade dos biomas nacionais, bem como os modos de vida de povos tradicionais e comunidades indígenas do território brasileiro, atualmente incompreendidos pelas abordagens internacionais.
Por exemplo, biomas como Cerrado e Caatinga não são tratados, e metodologias como REDD+ falham em lidar com desmatamento fragmentado ou irregularidades fundiárias. Ademais, projetos pequenos ou comunitários têm dificuldade de se adequar às exigências técnicas e burocráticas, o que contribui para sua exclusão do mercado.
O que é REDD+
REDD+ é um instrumento desenvolvido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCCC), para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados relacionados a atividades de: (i) redução de emissões provenientes de desmatamento; (ii) redução de emissões provenientes de degradação florestal; (iii) conservação de estoques de carbono florestal; (iv) manejo sustentável de florestas; e (v) aumento dos estoques de carbono florestal.
No plano institucional, respondentes sugeriram a criação de uma estrutura de governança nacional que permita que a certificação de carbono seja conduzida com mais autonomia, eficiência e legitimidade. A proposta mais recorrente consiste em separar as atividades de desenvolvimento metodológico e de certificação. Nesse modelo, uma entidade nacional, dotada de independência técnica e gestão transparente, seria responsável pela elaboração, revisão e atualização das metodologias, podendo inclusive adaptar as metodologias já existentes e consolidadas das grandes certificadoras. Essa entidade poderia trabalhar em parceria com universidades, centros de pesquisa e representantes da sociedade civil, garantindo um processo participativo e baseado em evidências científicas.
Por sua vez, a certificação poderia ser executada por diversas organizações acreditadas, incluindo certificadoras nacionais que atuem com custos mais acessíveis e maior conhecimento de campo. A separação entre gestão metodológica e certificação é vista como essencial para evitar conflitos de interesse e garantir maior transparência.
Houve ainda uma grande concordância sobre a necessidade de criação de mecanismos de certificação específicos para comunidades tradicionais e povos indígenas, cujas complexidades socioeconômicas e culturais demandam outro tipo de abordagem, para garantir os direitos e a repartição justa dos resultados dos projetos. Mecanismos de apoio financeiro, como fundos públicos ou linhas de recursos não reembolsáveis, também foram apontados como caminhos viáveis para estimular a participação de pequenos projetos e comunidades tradicionais.
Por fim, o custo da certificação foi um dos pontos críticos levantados. Respondentes indicam que as despesas associadas ao processo — incluindo validação, verificação, monitoramento e auditorias — inviabilizam a participação de pequenos e, até mesmo, de grandes agentes. Mesmo propostas como certificação simplificada, agrupamento de projetos ou uso de tecnologias digitais ainda carecem de institucionalização. Porém, a adoção de tecnologias como blockchain, sensoriamento remoto e sistemas automatizados de monitoramento (MRV) poderia reduzir significativamente os custos operacionais e aumentar a rastreabilidade dos créditos emitidos.
Integração com o SBCE e os compromissos internacionais
A promulgação da Lei 15.042/2024, que institui o SBCE foi avaliada de maneira positiva pela maioria dos participantes da consulta pública. A percepção geral é que o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões pode oferecer um marco regulatório consistente, capaz de trazer segurança jurídica, padronização metodológica e integração entre o mercado voluntário e o regulado.
Para que isso ocorra de forma eficaz, é necessário harmonizar os critérios metodológicos entre os dois mercados, especialmente em relação a temas como adicionalidade, permanência, linhas de base e salvaguardas socioambientais.
Outro ponto manifestado na consulta é a criação de um registro público nacional que permita rastrear todos os créditos emitidos, garantindo transparência e evitando a dupla contagem. A interoperabilidade com os mecanismos previstos no artigo 6 do Acordo de Paris também foi amplamente defendida como essencial para assegurar a aceitabilidade internacional dos créditos brasileiros.
O alinhamento com padrões reconhecidos internacionalmente — como os princípios do Integrity Council for the Voluntary Carbon Market (ICVCM) e as diretrizes do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) – foi visto como condição indispensável para assegurar a credibilidade do Brasil no cenário global. A articulação entre certificadoras nacionais e plataformas internacionais também pode contribuir para garantir fungibilidade dos créditos e facilitar a comercialização em diferentes mercados.
Em resumo, os resultados apontam para o robustecimento no arranjo institucional e metodológico para a certificação de carbono no Brasil. É evidente a necessidade de maior soberania técnica e regulatória, mas sem perder de vista os critérios de integridade e reconhecimento global.
Mercados de carbono no Brasil: um olhar para o futuro
Os dados da consulta pública revelaram um diagnóstico claro: o atual modelo de certificação de carbono no Brasil, dependente de metodologias estrangeiras, é inadequado para responder aos desafios e às oportunidades do contexto nacional. A predominância de padrões internacionais, embora tecnicamente robustos, apresenta limitações no que se refere à diversidade biológica, à complexidade fundiária, à inclusão social e à viabilidade econômica de projetos de menor escala. Isso pode representar uma barreira ao desenvolvimento justo e eficiente do mercado voluntário no país. O caminho apontado pelos respondentes da consulta envolve:
- Fortalecimento da autonomia nacional, com metodologias “tropicalizadas” que reflitam os biomas, práticas produtivas e estruturas sociais do Brasil;
- Criação de arranjos institucionais híbridos – que combinem a interlocução com os padrões e metodologias existentes com a criação de capacidade nacional para lidar com as questões específicas do Brasil –, que reúnam flexibilidade, legitimidade, eficiência e credibilidade internacional;
- Redução de custos e simplificação de processos, especialmente para inclusão de pequenos produtores e comunidades tradicionais;
- Integração com o SBCE a partir de metodologias alinhadas às exigências do mercado regulado e compatíveis com padrões globais;
- Participação ativa da sociedade civil, academia e governos locais de modo a garantir a transparência e representatividade das decisões.
Os resultados da pesquisa indicam que o Brasil deve buscar uma posição de protagonismo no mercado de carbono, adotando um modelo de certificação que una integridade ambiental, justiça social e competitividade internacional.
O modelo nacional de certificação deve valorizar o conhecimento técnico e científico local, assegurar governança participativa e permitir a integração com os marcos regulatórios nacionais e internacionais.
A criação de metodologias adaptadas à realidade brasileira, combinada a uma gestão transparente e à adoção de tecnologias inovadoras, pode posicionar o Brasil como referência global no mercado de carbono com créditos de alta credibilidade.
A implementação efetiva do SBCE poderá funcionar como catalisador dessa transformação, conferindo legitimidade ao mercado voluntário e ampliando as oportunidades de financiamento climático. No entanto, seu sucesso dependerá da capacidade do país de estruturar mecanismos regulatórios coerentes, acessíveis e representativos. Diante disso, o fortalecimento da capacidade nacional de certificação do mercado voluntário é muito mais que uma meta técnica: trata-se de uma prioridade estratégica importante para o futuro da política climática e o atendimento da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, da sigla em inglês para nationally determined contribution) brasileira, que é a meta de redução de emissões de GEE do país estabelecida no âmbito do Acordo de Paris.
Uma visão mais de futuro aponta para uma transição estratégica, na qual será essencial democratizar o acesso ao mercado voluntário de carbono, garantir o alinhamento com o SBCE e consolidar a credibilidade dos créditos brasileiros perante o mercado global. O papel do BNDES como articulador e provedor de apoio técnico-financeiro será central nesse processo, assim como o engajamento contínuo da sociedade civil, da academia e do setor produtivo.
O relatório consolidado da consulta pública será publicado em breve.
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