Formas não tradicionais de emprego
Segundo a OCDE, o trabalho no futuro assumirá cada vez mais formas não tradicionais e o emprego estável tenderá a desaparecer. Além de empregos temporários, de meio período e de trabalhadores independentes, o relatório considera como formas não tradicionais de emprego aquelas que se desenvolveram às margens das legislações trabalhistas e dos programas de proteção social.
Nesse contexto, estão na categoria de novas formas de trabalho: serviços prestados por meio de plataformas digitais, como aplicativos e sites; contratos temporários de curta duração; contratos sem garantia ou com horário imprevisível; e trabalho por conta própria (sem empregados). Com base nos países da OCDE, o estudo destaca que, atualmente, um em cada sete trabalhadores atua por conta própria e que um de cada nove empregados tem um contrato de trabalho temporário.
Em artigo publicado na Revista do BNDES 50, o economista José Roberto Afonso chega a conclusão similar. De acordo com ele, “mudanças no mercado e nas relações de trabalho convertem cada vez mais empregados, com vínculos formais, em trabalhadores por conta própria, ora até organizados na forma de firmas individuais, que passam a trabalhar sem local fixo e com horário flexível”.
O impacto da tecnologia sobre o trabalho
O impacto das tecnologias da informação e comunicação (TIC) sobre o trabalho nas últimas décadas é inquestionável. Segundo o estudo, o valor dos serviços de TIC por hora trabalhada mais que dobrou em todos os países da OCDE entre 1995 e 2007, ainda que o ritmo de adoção tecnológica tenha variado bastante entre países. Já no setor industrial, as encomendas de robôs aumentaram cinco vezes entre 2001 e 2017, com perspectivas de crescer ainda mais nos próximos anos. Além disso, o relatório destaca que avanços no desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) provavelmente terão um impacto significativo sobre uma série de atividades que até hoje exigiam a presença humana.
“O rápido progresso na capacidade de máquinas e da IA de automatizarem um número crescente de tarefas realizadas por humanos tem o potencial de acelerar a substituição do trabalho pelo capital e induzir ganhos significativos de produtividade, exigindo menos trabalho no processo produtivo”.
Diante dessas mudanças, há um receio em diversos países sobre a possibilidade de um futuro sem empregos. Ainda que seja difícil estimar exatamente como se dará esse processo, o relatório da OCDE afirma que uma redução substancial do emprego como resultado da digitalização e da globalização é improvável. Dados do estudo mostram que, na média dos países do grupo, a taxa de emprego aumentou nas últimas três décadas e que a demanda por trabalhadores foi atendida em parte pela inclusão de mais mulheres e idosos no mercado de trabalho.
Por outro lado, mesmo não afetando tanto a quantidade de empregos, os avanços tecnológicos tendem a promover o deslocamento de trabalhadores para outras atividades, em um processo que geralmente ocorre de forma desigual entre indústrias, regiões e grupos sociais. Nesse contexto, alguns desafios das políticas públicas são a manutenção da qualidade do emprego, o estímulo à mobilidade entre funções e a redução das disparidades regionais. Sem intervenção, é provável que haja um aprofundamento das disparidades – com a concentração de desempregados em determinados setores e/ou regiões e uma grande variação de qualidade de trabalho – resultando em um acirramento das diferenças sociais já existentes e com resultados negativos em produtividade, crescimento e bem-estar.
Como garantir o funcionamento dos sistemas de proteção social?
As novas tecnologias de produção estão mudando as condições do trabalho e do emprego, determinando um ritmo mais acelerado de realocação dos trabalhadores. No entanto, os sistemas de proteção social ainda não parecem estar preparados para lidar com essa realidade. Nos países da OCDE, o estudo aponta que menos de um terço dos que estão em busca de emprego recebem seguro-desemprego.
Isso ocorre pois as salvaguardas legais e de proteção social ainda não estão adaptadas às formas não tradicionais de emprego, o que não apenas gera desigualdade entre os beneficiários, baseada no status de emprego, como também afeta a sustentabilidade financeira da própria rede de proteção social.
O relatório da OCDE propõe três medidas principais para ajustar esses sistemas ao futuro do trabalho: (i) classificar corretamente os trabalhadores de acordo com o seu status de emprego; (ii) estabelecer critérios de acesso a benefícios que respondam rapidamente às mudanças nas necessidades de apoio das pessoas; (iii) criar portabilidade de direitos de proteção social entre setores e empregos.
Esses ajustes, contudo, devem levar em conta o equilíbrio entre as necessidades dos trabalhadores e as fontes de financiamento disponíveis, já que os orçamentos de proteção social já estão sob forte restrição em diversos países, ressalta a publicação.
Sobre a realidade brasileira especificamente, o artigo de José Roberto Afonso lembra a importância histórica de uma política pública que combinou proteção trabalhista com fomento ao desenvolvimento, alocando parte dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) à atuação do BNDES. Ele destaca que será necessário repensá-la para lidar com os desafios da era digital, “a começar por um dos maiores, que é o do trabalho sem necessariamente emprego, e pela nova intermediação financeira, que não passará, necessariamente, pelo sistema bancário clássico”.
Na página I am the Future of Work, a OCDE apresenta também depoimentos de trabalhadores de diversos países, que respondem a perguntas sobre impacto da digitalização, aprendizado profissional, proteção social e qualidade de emprego.