Entrevistamos Tiago Lezan Sant’Anna, advogado do BNDES e autor do artigo O papel do compliance anticorrupção como instrumento de delimitação de responsabilidades e de mitigação de riscos, publicado na Revista do BNDES 51, sobre alguns dos principais aspectos dessa nova Lei.
ENTREVISTA
BNDES: Qual a principal novidade trazida pela Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013)?
A principal novidade é ter estabelecido a responsabilidade objetiva, ou seja a existência de irregularidade independentemente da comprovação de dolo ou culpa, para a aplicação das sanções.
A incapacidade do direito societário de evitar a deslealdade fez surgir a pretensão de utilização do Direito Penal como instrumento de intimidação, visando melhores práticas no exercício da atividade econômica. Essa solução mostrou-se pouco efetiva, diante da dificuldade na identificação dos agentes internos da empresa responsáveis pelos fatos definidos nos tipos penais
A responsabilidade no Direito Penal, historicamente, é vinculada à noção de culpa. O Código Penal em vigor estabelece que “o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa”. Assim, não se admite responsabilidade objetiva (nullun crimen sine culpa).
No âmbito da denominada Lei Anticorrupção, porém, o legislador estabeleceu a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica que se beneficie de determinados atos lesivos. A lei em questão não dá margem sequer ao afastamento da sanção à empresa com base na culpa exclusiva de terceiro, pois prevê a aplicação de sanção sempre que o ato de corrupção seja cometido em seu benefício.
BNDES: De que forma a Lei Anticorrupção estimula a criação de mecanismos de integridade, auditoria e incentivo de denúncia de irregularidades no ambiente das empresas?
A lei serve de incentivo para que as empresas passem a adotar tais mecanismos uma vez que os estabelece como critério para reduzir sanções.
Entretanto, a simples elaboração de um código de ética, por exemplo, não é suficiente para ensejar a redução de sanções que possam vir a ser impostas à pessoa jurídica. Para que seja reconhecida a efetividade de um programa de compliance, é necessária a estruturação das regras e instrumentos, mas, também, a definição de instância responsável (a designação de um Compliance Officer e/ou Comitê de Compliance, por exemplo), o comprometimento e apoio da alta direção, a análise de perfil e riscos e estratégias de monitoramento contínuo.
A lei prevê ainda que, nos casos de celebração de acordo de leniência, este acordo conterá, entre outras disposições, cláusulas sobre a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade.
A Lei Anticorrupção, ao estabelecer a existência de um sistema de compliance como requisito para que a pessoa jurídica goze de determinados benefícios, é um exemplo de utilização da técnica do nudge (Teoria do Incentivo) na medida em que não impõe comportamentos nem chega sequer a oferecer incentivo econômico significativo, mas, sem dúvida, é um importante empurrão para a ação correta.
BNDES: Em que medida o compliance anticorrupção contribui para evitar condenações de empregados e administradores na esfera penal?
Deixar de implantar um programa de compliance e de buscar torná-lo eficiente expõe a empresa e em especial a sua alta administração ao risco não apenas de sanções administrativas, mas, também, penais.
O Código Penal vigente no Brasil estabelece que deve ser considerada causa “a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. No código consta ainda que “a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”.
Determinados pressupostos vêm sendo estabelecidos em normas de modo a facilitar a punição dos agentes internos pelos crimes cometidos em estruturas organizadas. Estas normas impõem a determinado agente a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância e, assim, se determinado fato típico ocorrer, tal sujeito será considerado responsável. Além desses dispositivos legais, muitas são as teorias que justificam a condenação desses agentes, ainda que não realizem diretamente determinado tipo penal.
Nessa visão, a omissão no cumprimento de regras de compliance pode ser suficiente para levar a condenações por lavagem de dinheiro e por crimes contra o sistema financeiro nacional, tais como o delito de gestão fraudulenta, por exemplo.
O dolo ou a culpa seriam depreendidos a partir de elementos objetivos como a ocupação de determinado cargo em organograma empresarial ou a participação, ainda que formal, em certos atos.
Assim, mesmo em uma estrutura complexa, como a de grandes empresas, o cenário atual é propício à responsabilização dos dirigentes – por descumprimento do dever de controle e fiscalização decorrente de sua posição hierárquica – e mesmo de empregados, que, de alguma forma, possam ser considerados partícipes de determinado ilícito.
No entanto, ainda que venha a ser constatada a ocorrência de um ilícito no âmbito da empresa, a existência de um sistema de compliance efetivo pode afastar a responsabilidade penal dos dirigentes, quando for possível demonstrar que suas iniciativas diminuíram o risco de eventos ilícitos.
No caso dos demais empregados, o sistema de compliance pode facilitar a demonstração de que suas ações ou omissões não contribuíram para a realização do suposto delito.
Assim, além da possibilidade de reduzir sanções e de permitir a celebração de acordos de leniência no âmbito da Lei 12.846/2013, a instituição e manutenção de um sistema de compliance efetivo cria um poderoso instrumento capaz de prevenir ilícitos e também de delimitar responsabilidades.
Para saber mais, leia o artigo assinado por Tiago, publicado na Revista do BNDES 51, clicando aqui.
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