Nos dias 10 e 11 de março de 2025, o BNDES sediou a conferência internacional Cadeias de Valor de Minerais Estratégicos para Transição Energética e Descarbonização. O evento contou com a presença de Constantine Karayannopoulos, especialista na indústria de terras raras e minerais críticos.
Conversamos com ele sobre o potencial do Brasil nesse contexto e possíveis caminhos para que o país possa se consolidar como relevante ator nesse mercado. Leia abaixo a íntegra da entrevista.
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Constantine Karayannopoulos é engenheiro profissional com graduação e mestrado em Ciências Aplicadas em Engenharia Química pela Universidade de Toronto. Ele é membro do conselho consultivo da Lithium Royalty Corp., do Departamento de Engenharia Química da Universidade de Toronto e do Conselho Empresarial Canadá-China. Atualmente, é consultor estratégico de várias empresas públicas na indústria de terras raras e minerais críticos. Foi cofundador e ocupou vários altos cargos executivos na Neo Performance Materials — inclusive presidente, CEO, presidente do Conselho e diretor — antes de sua aposentadoria, e foi um dos fundadores, além de presidente não executivo do Conselho, da Neo Lithium Corp.
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1 O aquecimento global é uma realidade e a descarbonização uma necessidade. Qual é a relevância dos elementos de terras raras e seu processamento neste contexto?
1.a. As terras raras desempenham um papel fundamental em ambos os lados da equação Energia/Descarbonização (geração de energia e utilização de energia). A energia eólica é uma das principais formas de geração de energia renovável. Ímãs de terras raras são usados nos geradores que convertem energia cinética/rotacional da turbina em energia elétrica. Particularmente em turbinas eólicas offshore, os modelos mais novos e maiores têm de 2 a 5 toneladas de ímãs de terras raras embutidos no estator ao redor dos rotores da turbina. Isso melhora a eficiência da conversão de energia e minimiza a manutenção, que é um custo significativo para a energia eólica offshore.
1.b. Uma grande parte da energia gerada no mundo é usada por motores de combustão interna e motores de todos os tipos e tamanhos. A transição para veículos elétricos precisa que motores elétricos substituam os motores de combustão interna. Os motores de tração de veículos elétricos mais eficientes em termos de energia são aqueles que usam ímãs de terras raras. Os motores magnéticos de terras raras tendem a ser menores, mais leves e precisam de menos energia para executar a mesma tarefa que os motores magnéticos alternativos aos de terras raras.
Muitos outros motores (como motores em bombas de água e bombas de combustível) podem atingir maior eficiência energética utilizando ímãs de terras raras.
2 Recentemente, em uma palestra no BNDES, o senhor mencionou que hoje a China é responsável pela maior parte do processamento de elementos de terras raras no mundo. Qual papel a política industrial teve no caso chinês e qual ela poderia desempenhar no Brasil?
2.a Como mencionei em meus comentários, o governo chinês identificou a transição energética e os mercados relacionados (como o de veículos elétricos) como prioridades 15 a 20 anos atrás. Em seguida, seguiu quatro estratégias paralelas:
(i) Garantir as matérias-primas críticas que eram necessárias para alimentar as cadeias produtivas relacionadas (terras raras, lítio, cobalto, níquel, cobre...), tanto na China quanto no exterior.
(ii) Nutrir e apoiar startups promissoras (como a BYD em veículos elétricos e a CATL em baterias) ao longo da cadeia produtiva até que atingissem massa crítica e se tornassem líderes mundiais em seu campo, criando assim a demanda que impulsiona a produção ao longo da cadeia de fornecimento; esse apoio se deu na forma de fácil acesso ao capital para investimento na China e no exterior, baixo custo de capital e contratos preferenciais quando os governos compram veículos elétricos e baterias. Outras medidas incluíram o estabelecimento de zonas de livre comércio e parques industriais que facilitaram a criação de ecossistemas especializados.
(iii) Utilizar a regulamentação (como as autorizações para condutores/propriedade) para influenciar escolhas que levem a veículos elétricos e se afastem de motores a combustão.
(iv) Investir pesadamente em educação e inovação; vários institutos na China são líderes mundiais em desenvolvimento de tecnologia para o processamento e aplicações de minerais críticos. Esses desenvolvimentos são transferidos para empresas da cadeia de produção sem custo ou por uma taxa de licenciamento muito modesta. As universidades chinesas formam o maior número de engenheiros e cientistas na área de minerais críticos. Por exemplo, há 39 departamentos universitários dedicados à educação em assuntos relacionados a terras raras.
2.b. Como disse em meus comentários na conferência, o Brasil pode adotar uma estratégia semelhante. Como possui todos os principais materiais críticos, o Brasil precisa primeiro garantir a sobrevivência, o desenvolvimento e o sucesso dos produtores emergentes de matérias-primas. Em seguida, precisa estabelecer as condições e a estrutura regulatória para atrair e incentivar o estabelecimento de participantes na cadeia de produção. Isso criará demanda pelos produtos dos produtores de matérias-primas emergentes, bem como criará um ecossistema para o desenvolvimento futuro dessas indústrias.
3 Diz-se que o Brasil tem a oportunidade de despontar como player no mercado de ímãs de terras raras e, consequentemente, em indústrias que dependem deles, como a de veículos elétricos. O país conta com os recursos naturais necessários, com abundância de argilas iônicas de boa qualidade que são uma fonte desses elementos raros. No entanto, isso não é suficiente para garantir um resultado positivo. Com base nas experiências da Europa e da China nessa área, quais medidas o senhor diria que o Brasil deveria tomar para tornar essa possibilidade uma realidade?
3.a O potencial definitivamente existe. Em última análise, porém, o sucesso da estratégia industrial do Brasil dependerá da capacidade do país de criar demanda por produtos de terras raras com valor agregado, como ímãs. Portanto, é preciso criar as condições e a estrutura regulatória (principalmente impostos e gestão cambial) para atrair investimentos ao longo da cadeia de produção. A estratégia industrial é uma ferramenta de longo prazo (em décadas, não em ciclos eleitorais) e precisa de apoio de todo o espectro político. O Brasil precisa iniciar conversas com os principais participantes dos setores automotivo e de energia eólica para atrair produção para o Brasil. Eles então atrairão seus fornecedores para investir localmente a fim de alcançar a resiliência da cadeia de produção local (“local for local”). Ao mesmo tempo, o Brasil precisa trabalhar com universidades, bem como consolidar e reorganizar os principais institutos de P&D para se concentrar no desenvolvimento de tecnologia e habilidades que possam ser adotadas pelos produtores emergentes.
3.b ESG (do inglês, environmental, social and governance) ainda é uma grande preocupação na maior parte dos mercados avançados do mundo. As grandes montadoras e seus fornecedores dão grande ênfase a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), pegada de carbono e práticas ambientais. Uma das principais preocupações é a origem da maioria das terras raras pesados usados em ímãs para veículos elétricos hoje em dia: Mianmar. O Brasil tem a oportunidade de emergir como o fornecedor mais relevante de terras raras e de produtos que usam terras raras com elevados princípios ESG em nível global. A regulamentação e a fiscalização ambiental, portanto, precisam ser um pilar central de qualquer estratégia adotada pelo Brasil.
4 Como o governo e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) podem ajudar nessa transição e, na sua perspectiva, já existem atores qualificados (pesquisadores, empresas etc.) que podem participar da transição do Brasil de fornecedor de matéria-prima para produtor de produtos de valor agregado?
4a. Deve haver pelo menos quatro áreas de foco para esta transição:
Financiamento para produtores emergentes: O BNDES começou bem com a criação de um fundo público/privado para investir na indústria, bem como o início de discussões com ECAs (agências de crédito à exportação) internacionais. A maior parte das economias avançadas (G7, União Europeia) reconhece a importância dos minerais críticos para suas economias e determinou que suas respectivas ECAs facilitem o estabelecimento de novas alternativas de fornecimento. O Japão tem sido particularmente ativo nesse campo, providenciando financiamento essencial à Lynas por meio de seu Ministério da Economia, Comércio e Serviços (METI), da Japan Organization for Metals and Energy Security (JOCMEG), do Japan Bank for International Cooperation (Jbic) e de suas grandes empresas comerciais à medida que a Lynas emergia como mineradora de terras raras (na Austrália) e refinadora (na Malásia).
Inovação e Educação: Reunir universidades e institutos de pesquisa para o desenvolvimento de tecnologias e habilidades essenciais de processamento que possam dar suporte aos produtores emergentes e novos produtores ao longo da cadeia de produção. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), Instituto de Terras Raras (CIT Senai ITR), o Laboratório de Materiais Magnéticos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC Magma) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Estado do Paraná (Senai Paraná) são um bom começo. O trabalho deles precisa ser coordenado e colaborativo. Essa atividade também pode se beneficiar muito da colaboração com universidades e institutos no exterior.
Arcabouçoa regulatório: Seguindo os exemplos da China e da União Europeia, a concessão de auxílios financeiros, incentivos para operação, um regime tributário favorável, o estabelecimento de zonas de livre comércio para a fabricação focada na exportação (no caso da China), o Critical Raw Materials Act e a Battery Alliance (UE), o Inflation Reduction Act (IRA) estadunidense e regulamentações ao consumidor que ajudaram a criar e impulsionar a demanda doméstica são algumas das ferramentas que foram usadas com sucesso na China, na União Europeia e nos Estados Unidos. O Brasil pode adotar e ajustar essas ferramentas para refletir a realidade brasileira.
Demanda: Enquanto cria demanda interna e um ecossistema eficiente para minerais críticos, o Brasil também deve se concentrar nos mercados de exportação, tanto intercontinental (América do Norte, União Europeia, Japão, Coreia) quanto regional (América do Sul). Isso proporcionará a melhor oportunidade econômica para atrair a produção e investimentos de longo prazo para o Brasil. As montadoras internacionais que têm presença no Brasil, bem como seus fornecedores mais qualificados (Tier 1) de sistemas de transmissão (alguns dos quais também têm operações no Brasil), e produtores de baterias seriam os primeiros alvos a serem abordados.
É claro que essas ideias precisam de um estudo mais longo e de uma análise mais cuidadosa. Nem tudo que deu certo em outras jurisdições terá sucesso necessariamente no Brasil. As ferramentas precisam ser customizadas para a cultura e o ambiente político brasileiros. A conversa, no entanto, precisa começar agora, já que a implementação desse tipo de estratégia levará pelo menos uma década. Recursos financeiros, tempo e trabalho duro e inteligente serão necessários para que o resultado seja de sucesso.