A transição para sistemas de transporte público baseados em ônibus elétricos a bateria (OEB) tem se consolidado como tendência para a descarbonização da mobilidade urbana no Brasil e no mundo. Contudo, esse processo enfrenta obstáculos estruturais que demandam a atuação coordenada do poder público, setor privado e instituições financeiras. Um estudo recente publicado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) analisa esses desafios, apresenta experiências internacionais bem-sucedidas e diretrizes para viabilizar a eletrificação em escala nacional.
Desafios da eletrificação da frota de ônibus no Brasil
Apesar dos benefícios ambientais e operacionais, a adoção de OEB no Brasil esbarra em quatro principais barreiras:
Quanto custa um ônibus elétrico?
Os ônibus elétricos apresentam um preço de compra significativamente superior aos modelos convencionais a diesel – entre 3,1 e 4,9 vezes mais alto, conforme dados da Prefeitura de São Paulo. Essa diferença, típica de mercados nascentes, decorre da falta de escala de produção, da imprevisibilidade da demanda e da incipiente concorrência entre fabricantes.
Planejando uma transição para uma frota de ônibus elétricos
A transição para OEB exige um redesenho dos modelos operacionais e de negócio, incluindo a definição de esquemas de recarga, a adaptação das redes elétricas e a revisão dos contratos de concessão. Muitos municípios desconsideram essas etapas, focando apenas na aquisição dos veículos, o que pode comprometer a viabilidade dos projetos.
A quantidade e localização dos pontos de carregamento, por exemplo, precisa ser pensada levando em conta os percursos e a necessidade de autonomia das baterias. A autonomia, por sua vez, impacta o peso e volume da bateria e, com isso, a capacidade de passageiros do ônibus, com resultado direto no tamanho necessário da frota. A tensão elétrica disponível nos terrenos previstos para instalação dos carregadores terá impacto direto nos custos e cronograma de implantação da infraestrutura de recarga.
Como arcar com os custos da eletrificação dos ônibus?
A limitada capacidade financeira dos operadores dificulta altos investimentos necessários no momento da aquisição e da implantação da infraestrutura. Há de se lembrar que, por ser um serviço público essencial, a receita originada na operação é limitada pelo princípio da modicidade tarifária. Nesse contexto, a coparticipação do ente público na aquisição se torna, muitas vezes, uma necessidade.
A experiência recente vai nessa direção e mostra que os municípios têm tomado a liderança nesse processo, seja por meio de compra direta e posterior repasse aos operadores em contratos de comodato ou por meio de subvenção ao investimento.
Instrumentos como o Refrota (Novo PAC) e o Fundo Clima têm sido essenciais para viabilizar crédito.
Como viabilizar um modelo de negócios para a adoção de ônibus elétricos no Brasil?
A estrutura tradicional das concessões de transporte, em que os operadores arcam com a compra e manutenção dos veículos, tem-se mostrado inadequada para a eletrificação. A agenda de eletrificação, ao ampliar o patamar de investimentos, impõe a necessidade de repensar o modelo de concessão e os papéis atribuídos ao operador, com balanceamento dos riscos, previsão de recursos para os investimentos, indicadores de desempenho e exigências em relação aos licitantes. Alternativas como arrendamento de frota e parcerias público-privadas (PPPs) têm sido experimentadas.
Lições das experiências internacionais
Casos internacionais demonstram que a eletrificação bem-sucedida depende de políticas públicas robustas e modelos de financiamento inovadores:
Shenzhen (China): Primeira cidade do mundo a ter 100% de sua frota eletrificada, em função de subsídios governamentais para a aquisição de frota e infraestrutura de recarga. A China, como produtora de ônibus, integrou seu planejamento urbano com o desenvolvimento industrial.
Santiago (Chile): Fora da China, a capital chilena é a cidade com a maior frota de ônibus elétrico do mundo. Assim como Shenzen e Bogotá, conta com um modelo de arrendamento de frota aos operadores.
Índia: Em Delhi, assim como em Londres, os veículos são de propriedade dos operadores, que contaram com subvenções públicas para aquisição. Assim como a China, o desenvolvimento industrial também fez parte do programa nacional. As compras foram promovidas de maneira agregada, reduzindo preços em até 48% e impulsionando a produção local.
Diretrizes para um Programa Nacional de Eletrificação
Elaboração de projetos prévios para a eletrificação das frotas de ônibus
Elaboração de estudos técnicos (planos operacionais e de carregamento, especificação e dimensionamento de frota, locais de recarga etc.), financeiros (deve considerar a perspectiva de redução de custos futuros com o sistema de transporte) e jurídicos (de modo a viabilizar o modelo de aquisição e operação proposto, respeitando os regramentos e os contratos existentes), com objetivo de garantir a viabilidade dos projetos municipais.
Compra agregada
Adoção de licitações consolidadas para ônibus e carregadores, nos moldes do programa Caminho da Escola, para reduzir custos por meio de ganhos de escala e concorrência entre fabricantes. No caso dos ônibus, além de estudos técnicos e financeiros que permitam a organização da indústria para atendimento da demanda, é necessário negociar alguma flexibilidade tendo em vista as especificidades de cada sistema de transporte, que podem exigir flexibilização dos modelos a serem adquiridos.
Soluções de financiamento: previsibilidade e regras claras
A previsibilidade de financiamento com regras claras para acesso é fundamental para a elaboração adequada de projetos pelos planejadores. Ampliação de linhas de crédito com taxas atrativas (via Fundo Clima e FGTS), garantias soberanas e recursos não onerosos para infraestrutura crítica são algumas soluções possíveis.
Por que ônibus elétricos no Brasil?
Considerando que com o programa seja possível em 10 anos ter 50% das vendas de ônibus focadas em ônibus elétricos, os benefícios incluiriam:
- Redução de 3,9 milhões de toneladas de CO₂ anuais.
- Melhoria da qualidade do ar e saúde pública.
- Estímulo à indústria nacional e criação de empregos verdes.
A transição para ônibus elétricos no Brasil não é apenas uma necessidade ambiental, mas uma oportunidade estratégica para modernizar o transporte público, reduzir emissões e impulsionar a economia verde. Embora os desafios sejam significativos – como custos elevados, necessidade de planejamento integrado e modelos de financiamento limitados –, as experiências internacionais comprovam que soluções inovadoras e políticas públicas robustas podem acelerar essa transformação.
O artigo Impulso à adoção de ônibus elétricos no Brasil apresenta diretrizes para viabilizar a eletrificação em escala nacional, combinando compras agregadas, financiamento acessível e projetos bem estruturados. Se adotadas, essas medidas podem colocar o Brasil no caminho da mobilidade sustentável, com benefícios tangíveis para o clima, a saúde pública e a indústria nacional.
Leia o artigo completo e descubra como o Brasil pode se tornar um líder em transporte público limpo. Impulso à adoção de ônibus elétricos no Brasil de Felipe Borim Villen, Rafael Coutinho Quaresma Pimentel, Filipe de Oliveira Souza e James Patrick Maher Junior faz parte do BNDES Setorial 58.